WIRNA MARIA ALVES DA SILVA
(orientadora)
RESUMO: Este estudo tem por escopo a análise dos impactos da pandemia da Covid-19 nas relações domésticas e familiares, com ênfase na violência contra a mulher. O presente artigo averiguou dados acerca do aumento de casos de crimes praticados com violência doméstica contra a mulher, em especial o Feminicídio, no âmbito familiar. Destarte, conceituou-se a violência contra a mulher, apresentando os principais fatores que corroboram para a sua prática. Nesta ótica, apontou-se os mecanismos legais para a proteção da vítima dessa grave forma de violência. Em meio à pesquisa hipotético-dedutiva e bibliográfica do tipo narrativa, buscou-se constatar que a violência contra a mulher, nítida forma de violação aos direitos humanos, é uma prática arraigada à cultura patriarcal e que, para o seu enfrentamento, clama acima de tudo conscientização. E, em tempos de pandemia da Covid-19, a situação tende a se agravar, pois o ambiente doméstico tornou-se o refúgio, principalmente pelas medidas adotadas pelo Poder Público para obstar aglomerações. Ademais, reclusa, a vítima tende a se calar, o que vem refletindo uma triste realidade, que é o grande número de mulheres mortas por seus companheiros, maridos, namorados. Portanto, deve o Estado atentar-se para o enfrentamento dessa grave forma de violência, fomentando meios para a implementação de denúncias e disponibilizando rede de apoio às vítimas.
Palavras-chave: Violência Doméstica; Feminicídio; Pandemia.
ABSTRACT: This study aims to analyze the impacts of the Covid-19 pandemic on domestic and family relationships, with emphasis on violence against women. This article investigated data on the increase in cases of crimes committed with domestic violence against women, especially Feminicide, in the family context. Thus, violence against women was conceived, presenting the main factors that corroborate their practice. From this point of view, the legal mechanisms for the protection of the victim of this serious form of violence were pointed out. In the midst of the hypothetical-deductive and bibliographic research of the narrative type, we sought to verify that violence against women, a clear form of violation of human rights, is a practice rooted in patriarchal culture and that, in order to cope, calls above all awareness. And, in times of pandemic covid-19, the situation tends to worsen, because the domestic environment has become the refuge, mainly by the measures adopted by the Government to prevent agglomerations. Moreover, reclusive, the victim tends to shut up, which has been reflecting a sad reality, which is the large number of women killed by their companions, husbands, boyfriends. Therefore, the State should pay action to confront this serious form of violence, fostering means for the implementation of complaints and providing a support network for victims.
Keywords: Domestic Violence; Feminicide; Pandemic.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: ASPECTOS CONCEITUAIS E LEGAIS – 3. FEMINICÍDIO – 3.1. CONCEITO – 3.2. LEGISLAÇÃO ATUAL - 4. IMPACTOS DA PANDEMIA NOS CASOS DE FEMINICÍDIOS – 4.1. AUMENTO DE CASOS DE FEMINICÍDIO EM VIRTUDE DO ISOLAMENTO SOCIAL – POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER – 5. CONCLUSÃO – 6. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se volta ao estudo da violência contra a mulher e os reflexos da pandemia da Covid-19. Para tanto, delimita-se o objeto de estudo nos efeitos da pandemia no aumento do número de casos de feminicídio.
Trata-se de questão que vem fomentando discussões e está constantemente em nosso dia-a-dia, constatado nos meios de comunicação, pois o isolamento social contribuiu para o aumento nos casos de feminicídio. Assim, deu-se seguimento ao estudo pautando-se no seguinte problema de pesquisa: Quais os principais impactos da pandemia do Covid-19 no aumento do número de casos de feminicídio no Brasil?
Assim, o desenvolvimento desse artigo pautou-se na revisão bibliográfica sobre a temática violência doméstica contra a mulher e o homicídio qualificado pelas questões de gênero. A violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar é um grave problema na sociedade brasileira, o que se deve a diversos fatores, dentre os quais se encontram os elementos culturais, pois a mulher foi, durante muito tempo, submissa ao homem e tratada como ser inferior, e tais fatores refletiram na violência contra a mulher, até bem pouco tempo restrita à esfera privada e pouco discutida, até mesmo na seara acadêmica. Somente em 2006, com o advento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), os debates ganharam mais evidência, tendo se intensificado em 2015, quando o Código Penal foi alterado para constar, no crime de homicídio, a qualificadora do feminicídio.
Nossa pesquisa se justifica na medida em que o Brasil assumiu, no cenário nacional e internacional, o compromisso em erradicar toda forma de violência contra a mulher. Porém, não bastam diplomas legais e criação de tipos penais ou qualificadoras para obstar tal modalidade de violência. É preciso a implementação de políticas públicas realmente eficazes para enfrentar esse tipo de crime tão covarde.
É nesse cenário que se situa o presente estudo, que objetiva analisar os impactos da pandemia da Covid-19 nas relações domésticas e familiares, com ênfase na violência contra a mulher, em especial o Feminicídio. E, como objetivos específicos, buscou-se compreender o conceito de violência contra a mulher; contextualizar o feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro; verificar os reflexos da pandemia no aumento dos casos de feminicídio e a existência de políticas públicas para o enfrentamento do problema.
Destarte, utilizou-se como método de abordagem o hipotético-dedutivo e, como método de procedimento, o narrativo, pautando-se a pesquisa no levantamento bibliográfico e documental, pois se buscou na doutrina, legislação, artigos, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do tema.
Em meio a esse contexto, buscou-se evidenciar que a violência doméstica contra a mulher, que pode culminar no feminicídio, agravou-se em decorrência das políticas públicas de isolamento social, que culminaram na manutenção, dentro do lar, de agressor e vítima, por um maior período de tempo. Portanto, se houve uma redução nas denúncias relativas a outras formas de violência, em se tratando do feminicídio houve um considerável aumento, já que os homicídios, ao contrário delitos outros, como agressões físicas – lesões corporais são notificadas.
Assim, demonstrou-se que a violência contra a mulher ganhou contornos ainda mais graves em tempos de pandemia da Covid-19, o que se deve a fatores como o distanciamento social e a consequente permanência no ambiente doméstico, e a mitigação dos canais de denúncia, seja porque a circulação de pessoas foi restringida em quase todo o país, seja porque a vítima, não raras vezes submissa ao agressor, por estar diuturnamente na presença deste, acaba sendo impedida de procurar ajuda.
Assim sendo, e para alcançar a conclusão do trabalho, divide-se o estudo em três capítulos. No primeiro abordam-se os aspectos conceituais e legais da violência contra a mulher. No segundo capítulo, por sua vez, contextualiza-se o feminicídio, a partir da análise do projeto de lei que culminou na inserção da qualificadora no Código Penal, momento em que se conceitua o instituto. Por fim, no terceiro capítulo, averíguam-se os impactos da pandemia do Covid-19 no aumento dos casos de feminicídio e a (in) existência de políticas públicas para proporcionar à mulher maior proteção.
2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: ASPECTOS CONCEITUAIS E LEGAIS
A violência de gênero, em especial a violência contra a mulher, por longos anos, foi ignorada pela sociedade, principalmente porque predominava a ideia de que o ocorrido no âmbito privado, familiar, não competia ao Estado. A esse cenário some-se o fato de que a mulher, até um passado não muito distante, era totalmente dependente do homem, não possuindo voz na sociedade, o que foi sentido no Brasil, por exemplo, até meados do século passado, já que a mulher era relativamente incapaz, totalmente dependente do marido, não detinha direitos perante os filhos, não possuía direitos políticos, etc.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a violência em três grandes categorias, divididas em tipos de violência mais específicas, segundo a violência praticada contra si mesmo (autoprovocada), por indivíduos ou grupos (interpessoal), e por organizações maiores (coletiva), praticada por estados, grupos armados, milícias e grupos terroristas. A violência interpessoal é dividida em intrafamiliar e comunitária (BRASIL, 2012). Contudo, antes de se adentrar em tal análise, é de suma importância compreender o fenômeno da violência.
Na situação de discriminação à condição de mulher, cumpre salientar que a República Federativa do Brasil é signatária da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1979, que foi ratificada pelo Brasil em 1984. Nesta Convenção fora elaborado o conceito da expressão “discriminação contra a mulher”, conceituada em seu artigo primeiro como:
[...] toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo (BRASIL, 1994).
Trata-se de importante diploma de Direito Internacional, que reconheceu que a violência contra a mulher é uma violação aos direitos humanos e imputou aos Estados o dever de adotar medidas para obstar a sua perpetuação, erradicando-a e punido os agressores.
Ao analisar a problemática da violência doméstica contra a mulher, Souza (2007) bem lembra que nem toda violência praticada contra a mulher é tutelada pela Lei Maria da Penha, mas tão somente a violência doméstica e familiar. Logo, a correta delimitação desta modalidade de violência é de suma importância.
A Lei nº 11.340 - Lei Maria da Penha - reconhece como violência doméstica contra a mulher diversas formas de violência, nos termos do art. 7º, a saber: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral. Adotou o legislador, portanto, um conceito amplo, pois como já dito alhures, a violência doméstica e familiar contra a mulher é toda forma de agressão que objetiva retirar direitos, aproveitando da sua situação de vulnerabilidade.
Bianchini (2014, p. 41) chama a atenção para o fato de que “o rol contido no art. 7º é meramente exemplificativo”, visto que a própria Lei citou exemplos das condutas e teve o legislador cuidado em constar a expressão “entre outras”, ressaltando a autora inclusive que nem toda a conduta descrita na Lei Maria da Penha baliza-se no âmbito penal, pois a Lei abrange desde o dano físico até o dano patrimonial, visto que a referida se vale principalmente do sentido sociológico, utilizando-se do conceito violência de gênero que, segundo a autora, abrange os papeis que a sociedade determina ao homem e a mulher, e o problema surge quando estes papeis não são balanceados, remetendo importâncias diferentes a cada um, no caso da sociedade, dando ao homem uma importância supervalorizada em relação à mulher, como já mencionado alhures.
A violência física é uma das mais recorrentes e mais comuns, não apenas perpetrada do marido, companheiro ou namorado para com a mulher, mas também dos pais, por exemplo, para com os filhos, como forma de punição, ou como forma de disciplinar e educar, apesar de rechaçado pelo direito.
Segundo Bianchini (2014, p. 43), “a violência física não necessariamente deixa marcas aparentes, e sim a que tem o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde, sendo que a violência que deixa sinais é de mais fácil comprovação”. A intenção não é apenas proteger a integridade física, mas também a saúde corporal, sendo que a violência física pode desencadear sintomas físicos que se perpetuam no tempo, podendo gerar incapacidades laborais, sintomas físicos como dores de cabeça, insônia, fadiga, podendo trazer a ansiedade e depressão.
A Lei Maria da Penha tratou, ainda, da violência psicológica, no inciso II, do art. 7º, sendo, pois, qualquer conduta capaz de causar dano emocional ou a diminuição da autoestima do agredido, ou voltada a prejudicar o seu desenvolvimento, ou, ainda, que objetiva desagradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (BRASIL, 2006).
A terceira forma de violência é a sexual, certamente um dos tipos de violência mais polêmicos, e que quando praticada no seio familiar causa ainda mais repúdio e revolta social. O que ocorre é que esse tipo de violência, embora polêmico, é muito comum e recorrente em nossa sociedade, motivo pelo qual o legislador tratou do tema de forma expressa, no inciso III, do art. 7º, da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006).
Também tipificou o legislador a modalidade de violência patrimonial, entendida como a retenção, subtração, destruição, seja parcial ou total, dos objetos da vítima, instrumentos de trabalho, documentos, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfação das necessidades pessoais (BRASIL, 2006).
Por último, tratou da violência moral sofrida pela mulher no âmbito doméstico pelo qual é sempre tida como ato que atinge o psicológico da vítima, vez que atinge a autoestima e o reconhecimento social da vítima, envolvendo-a em situações de desqualificação, inferiorização e ridicularização, hoje resultando maior impacto à vida da vítima, pois a tecnologia vem a corroborar devido à fácil divulgação e acesso às informações. A violência moral se caracteriza nos delitos contra a honra, como a calúnia, que consiste em imputar à vítima a pratica de fato criminoso falso; difamação que se determina pela imputação de prática de fato desonroso, estas atingem a honra objetiva da vítima; a injúria, que atinge a honra subjetiva consumada com o conhecimento da própria vítima referente à afirmativa, que lhe causa ofensa devido a atribuições de qualidades negativas (BRASIL, 2006).
Não restam dúvidas de que a Lei Maria da Penha tratou do conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher de forma ampla, de modo a proteger diversos bens jurídicos, a exemplo da moral, da liberdade sexual, da integridade física, dentre outros.
Isso se deve porque a violência contra a mulher gera problemas diversos, não apenas para a vítima, a exemplo de problemas psíquicos, perda do posto de trabalho, dentre outros, mas para a sociedade como um todo, a exemplo dos gastos como saúde pública, do afastamento da vítima do mercado de trabalho, dos custos com a proteção conferida à vítima, dentre outros.
Nesse ponto, para a exata compreensão do conceito de violência doméstica contra a mulher, é necessário antecipar algumas definições insertas na Lei nº 11.340/2006, que vieram a lume para proteger a mulher de todo e qualquer tipo de violência ocorrida no âmbito familiar, e que, em seu art. 5º, prevê que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer tipo de ação ou omissão, baseada no gênero, que venha a lhe causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, ocorridos estes, no âmbito da unidade doméstica, no âmbito familiar e a partir de relação intima de afeto, independentemente de orientação sexual (BRASIL, 2006).
Decerto, qualquer tipo de violência pode ser considerada como violação dos direitos essenciais do ser humano, estando a violência ligada diretamente à força física, psicológica ou intelectual. Entende-se que a liberdade que corresponde a primeira geração dos direitos humanos é violada quando o homem submete a mulher ao seu domínio.
Por isso, como preconiza Dias (2014, p. 43), a Lei Maria da Penha define a violência contra a mulher como “qualquer conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico a mulher, tanto na esfera pública como na privada”.
Por fim, dentre as formas de violência contra a mulher, tem-se o feminicídio, forma agravada do homicídio por questão de gênero, geralmente praticado por homens que consideram a mulher inferior, sua propriedade, e por ser um crime de alta magnitude e devido à sua gravidade, passa a ser analisado na próxima seção.
O Brasil, como visto, somente passou a contar com uma legislação específica, destinada à proteção da mulher vítima de violência doméstica no ano de 2006, com o advento da Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha. Contudo, os altos índices de violência ainda evidenciavam a necessidade de outras medidas, surgindo, assim, no ano de 2015, novas mudanças legislativas, com a inclusão da qualificadora para o crime de homicídio, sendo sancionada a Lei 13.104/2015. Nesse ponto, é necessário abordar o conceito e disciplina legal do feminicídio.
A Lei nº 13.104/2015 alterou o Código Penal Brasileiro com a inclusão da qualificadora do feminicídio no crime de homicídio, dispondo sobre esta no inciso VI do art. 121, do referido diploma legal.
A motivação para a tipificação desta modalidade de homicídio encontra-se de forma clara na justificação do Projeto de Lei nº 292/2013, apresentada pelo Senado Federal, in verbis:
A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido “crime passional”. Envia, outrossim, a mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que não haverá impunidade. Protege, ainda, a dignidade da vítima, ao obstar de antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade pelo crime de que foram vítimas (BRASIL, 2013).
Contudo, antes de se adentrar na análise específica da qualificadora e seus reflexos, é necessário conceituar feminicídio, objeto do próximo tópico.
Segundo Pasinato (2011, p. 223), “a expressão feminicídio veio à tona pela fala de Diana Russel enquanto prestava um depoimento no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres no ano de 1976, em Bruxelas”. E mais adiante apresenta a definição e abrangência do feminicídio:
Feminicídio está no ponto mais extreme do contínuo de terror anti-feminino que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual infantil incestuoso e extra-familiar, espancamento físico e emocional, assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (cliterodectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada) ao criminalizar a contracepção e o abordo), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas tornam femicídios (RUSSEL; CAPUTTI apud PASINATO, 2011, p. 224).
Pasinato (2011, p. 226) refere, conforme estudos analisados, que há dois exemplos marcantes de feminicídios de ordem mundial, são eles: O Massacre da Escola Politécnica da Universidade de Montreal, no dia 06 de dezembro de 1968, quando um jovem de 25 anos, que não conseguiu matricular-se na escola, matou 14 mulheres jovens e deixou 13 pessoas feridas (4 homens e 9 mulheres), em seguida suicidou-se deixando uma carta expondo os motivos que o levaram a prática dos atos: “que as mulheres morreram porque estavam cada vez mais ocupando o lugar dos homens”.
O segundo caso polêmico são as mortes da Ciudad Juarez, os assassinatos de mulheres ganharam ênfase a partir de 1993 porquanto o modus operandi revelava um cenário de horror:
[...] os corpos são encontrados em valas e terrenos baldios com marcas de violência sexual, tortura, algumas têm as mãos atadas e são visíveis sinais de estrangulamento. Alguns corpos são esquartejados. Além das mortes, há inúmeros casos de desaparecimentos, sobre os quais também paira a certeza de que ocultam homicídios (PASINATO, 2011, p. 223).
De acordo com Roque, Costa e Vieira (2020, p. 15), “compreender o feminicídio exige de fato a análise dos homicídios violentos ocorridos no México, imprescindível à própria formulação e caracterização do que hoje se denomina de feminicídio”.
No Brasil, o termo “feminicídio” surge pela deputada federal e feminista Marcela Lagarde. Isso porque verificou que o termo proposto por Russel e Radford, quando traduzido para o castelhano, apresentava-se fraco. Deste modo, denomina feminicídio como o “conjunto de delitos que lesa a humanidade que contém os crimes e os desaparecimentos de mulheres” (LAGARDE apud PASINATO, 2011, p. 219).
Pasinato (2011, p. 236) alerta que o conceito de feminicídio/femicídios ainda não está bem formulado, motivo pelo qual “a literatura adotou uma tipologia, desenvolvida por Ana Carcedo, a fim de demonstrar as diferenças de violência contra a mulher, mas que no fim trata-se de mortes provocadas por discriminação de gênero”.
Como se verá no próximo item, de acordo com o previsto no Artigo 121 § 2º, inciso VI e § 2º-A do Código Penal Brasileiro, o feminicídio é o homicídio qualificado cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino envolvendo violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015).
3.2 LEGISLAÇÃO ATUAL
De acordo com a Lei nº 13.104, que entrou em vigor em 10 de março de 2015, o Código Penal Brasileiro passou a prever a qualificadora de Feminicídio no seu art. 121, inciso VI, atribuindo pena de reclusão de 12 a 30 anos quando o homicídio é praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”.
O § 2º-A, do art. 121 do Código Penal, é uma norma explicativa, que vem esclarecer o que são “razões da condição de sexo feminino”. Logo, quando o crime praticado envolve violência doméstica ou familiar, ou com menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015).
Dessa forma, os requisitos típicos da qualificadora feminicídio são: a) homicídio cometido contra a mulher; b) por razões de sexo feminino; quando envolver; c) violência doméstica e familiar; d) menosprezo; e, ainda, f) discriminação à condição de mulher (BIANCHINI; GOMES, 2015).
Não há dúvidas que a prática do feminicídio pode ser realizada tanto por homem, quanto por mulher, sendo, inclusive, aceita a aplicação da qualificadora para mulher que vive em relação homoafetiva (FERNANDES, 2015).
A Lei do Feminicídio também incluiu o § 7º ao art. 121 do Código Penal, que trata das causas de aumento desta qualificadora. Logo, se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses seguintes ao parto; contra menor de 14 anos e maior de sessenta anos, ou, ainda, pessoa com deficiência; ou, na presença de descendente ou ascendente da vítima, a pena é aumenta em um terço.
Em relação ao inciso I, Bianchini e Gomes (2015, p. 01) salientam que “o agente somente responde por ela se tinha conhecimento da situação de gestação da vítima, podendo ocorrer erro de tipo caso não tivesse tal ciência”.
Quanto à causa de aumento trazida no inciso II, contra pessoa menor de quatorze anos e maior de sessenta, ou com deficiência, tem-se aqui uma repetição da previsão já exposta no § 4º, do art. 121, do Código Penal. Contudo, observa-se que o quantum de aumento é menos severo nesta do que na causa de aumento do feminicídio. Contra mulher portadora de deficiência, o enquadramento nesta categoria está descrita no art. 4º do Decreto nº 3.298/1999. Também é necessário o conhecimento da deficiência da vítima, sob pena de incidir em erro de tipo (BIANCHINI; GOMES, 2015).
Por último, o inciso III possibilita o aumento da pena em virtude do crime ser cometido na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Aqui se aponta a não obrigatoriedade de presença física no local do crime, bastando que o familiar esteja ouvindo (p. ex. por telefone) ou vendo (p. ex. vídeo conferência) a ação criminosa. Igualmente é apontado que a caracterização só será constatada se o autor tiver conhecimento da qualidade de ascendente ou descendente do “espectador” (BIANCHINI; GOMES, 2015).
Por fim, cumpre ressaltar que para a tipificação do feminicídio não basta que o sujeito passivo seja mulher, necessário averiguar se estão presentes as “razões da condição de sexo feminino”, as quais foram esclarecidas no § 2º-A do art. 121, do Código Penal, a saber: “I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (BRASIL, 2015).
Em suma, Bianchini e Gomes (2015) destacam que a violência em comento se dá em razões do sexo feminino, como expressamente dispõe a legislação e, por isso, não se confunde com a violência perpetrada no ambiente doméstico. Isso porque pode ocorrer o assassinato de mulheres por seus parceiros, mesmo que numa relação íntima, que não configure a razão elencada pelo legislador. Sendo necessária a averiguação da violência baseada no gênero para que se verifique a ocorrência do feminicídio.
Destarte, no que tange ao feminicídio em virtude de menosprezo à condição de mulher, esta é verificada “quando o agente pratica o crime por nutrir pouca ou nenhuma estima ou apreço pela vítima, configurando, dentre outros, desdém, desprezo, depreciação, desvalorização” (BIANCHINI; GOMES, 2015).
4 IMPACTOS DA PANDEMIA NOS CASOS DE FEMINICÍDIO
A pandemia do Covid-19 vem refletindo em diversas searas, como a econômica, as relações de trabalho, as relações contratuais e, ainda revela outro grave problema, que é a violência contra a mulher.
Os impactos do confinamento obrigatório são inúmeros, trazendo consequências psicológicas às mulheres vítimas de violência doméstica, como depressão, ansiedade, chegando até mesmo ao suicídio. Sem esquecer as sequelas físicas, decorrentes dessa violência. Por isso a necessidade de orientar as mulheres a importância de denunciar os casos de violência e de conhecer as leis que as protegem.
4.1 AUMENTO DE CASOS DE FEMINICÍDIO EM VIRTUDE DO ISOLAMENTO SOCIAL
Historicamente a luta das mulheres, através dos movimentos feministas e suas ondas, bem como sua chegada ao Brasil, que trouxeram significativas mudanças tanto para a perspectiva que se tinha sobre as mulheres e os polos discriminatórios em que ocupavam, bem como os padrões de aceitação da mesma perante a família, sociedade e a política, e, como a necessidade de criar uma legislação específica que tratassem isoladamente os casos de gênero que só passou a ser assim identificado anos mais tarde. Vale lembrar, que não faz muito tempo que a prática de violência doméstica passou a ser considerada como crime pela legislação.
No entanto, em meio a tantas mudanças, ainda é necessário que este quadro seja aprimorado e melhorado a ponto de amparar as mulheres, igualando-as em decorrência da incidência da Carta Magna, Legislações especiais e os tratados e convenções internacionais que asseguram às mulheres viver em uma sociedade justa e livre de violência.
Apresentado as diversas maneiras da manifestação da violência domésticas e referenciadas por vários autores no presente trabalho, a sua prática contra as mulheres, segundo colocaram Vieira et al. (2020), é vista como um fenômeno global. Por longos séculos tem se manifestado, e ainda que haja interessados na desconstrução de padrões sociais, que oprimem e submetem a mulher à desvalorização humana; ainda que essa soma de interessados na causa tenha revelado sua importância para a história de luta das mulheres, ao manifestarem inquietações objetivadas na mudança desse panorama.
Em que pese todo o aparato legislativo, disponibilizado às mulheres na atualidade, mormente a Lei Maria da Penha, o Brasil ainda enfrenta altos índices de violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Para se ter uma ideia, de acordo com Dias e Garcia (2015, s.p.), “a cada hora e meia, uma mulher é assassinada por um homem no Brasil, apenas por ser mulher”, como já apontado anteriormente. Logo, o número de mulheres, vítima das mais variadas formas de violência vem crescendo.
Não é demais ressaltar que a taxa de homicídios contra mulheres, praticados por questões de gênero, a grande maioria no âmbito doméstico e familiar, colocam o Brasil como quinto país num ranking de oitenta e três países, ou seja, o Brasil é o quinto onde mais se matam as mulheres, estando entre os mais violentos do mundo nesse aspecto e em pior posição que seus vizinhos na América do Sul (à exceção somente da Colômbia), que os países europeus (à exceção da Rússia), que todos os países africanos e inclusive todos os árabes (WAISELLFISZ, 2015).
Não bastasse isso, a questão se agravou em virtude da pandemia do Covid-19. Como sabido, o mundo enfrenta, desde dezembro de 2019, sérios problemas para o enfrentamento do novo Corona vírus, cujos primeiros casos foram registrados na China. E, desde março de 2020, quando foi reconhecida a pandemia pela Organização Mundial de Saúde, inúmeras medidas foram adotadas pelo Poder Público para conter a disseminação do vírus. Dentre elas destacam-se o fechamento de estabelecimentos comerciais, de forma total ou parcial; a suspensão de atividades econômicas e, por conseguinte, medidas de isolamento social. Tais medidas, porém, refletiram sobremaneira nos índices de violência contra a mulher.
Segundo Vieira et al. (2020) a violência doméstica em tempos de pandemia, demonstrou que o isolamento social alarmou indicadores preocupantes da sua prática contra mulheres. Os autores afirmam que as organizações de enfrentamento à violência doméstica acusaram “aumento da violência por causa da coexistência forçada, do estresse econômico e de temores sobre o corona vírus”.
Na mesma senda lecionam Siqueira et al. (2020, p. 218), que bem esclarecem:
As medidas de quarentena impostas como forma de controle da pandemia elevaram o nível de estresse dentro dos lares. Somando-se a isso, o uso indiscriminado de bebidas alcoólicas, o desemprego, a insegurança econômica, o distanciamento de amigos e familiares, a interrupção das redes sociais e de proteção, a sobrecarga de delegacias e hospitais e a falta de vagas nos abrigos, corroboraram para o aumento dos casos de violência física e sexual contra as mulheres em todo o mundo.
Um estudo realizado por Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo (2020) retrata o problema de forma bastante clara, pois considerando apenas os meses de março e abril de 2020, ou seja, no curso da pandemia da Covid-19, houve um aumento de 5% nos casos de feminicídio se comparados com o mesmo período do ano de 2019, contabilizando 195 mortes.
Os dados foram compilados pelas agências independentes acima citadas com base em informações divulgadas pelas Secretarias de Segurança Pública de 20 Estados e evidenciaram que a média é de 0,21 feminicídios por 100 mil mulheres, sendo que 11 Estados, que detém 40% da população brasileira, totalizaram 59% das mortes, ou seja, 115 feminicídios (AMAZÔNIA, 2020).
Os dados demonstram claramente a gravidade do problema e os índices alarmantes de feminicídios praticados no país. Contudo, não se pode ignorar que são escassos os estudos específicos, principalmente pelas dificuldades momentâneas de aprofundamento no tema. Logo, como leciona Ilha (2020), inexiste dados oficiais sobre o problema, o que não impede o reconhecimento de uma verdadeira epidemia dentro da pandemia.
Santos et al. (2020) ainda revelam que as estatísticas que demonstram o envolvimento dos homens com a violência doméstica não podem ser ignoradas, ao passo de que há o desafio de ultrapassar as explicações fragmentadas sobre o fenômeno masculinidade hegemônica, centradas nos modelos de masculinidade socialmente legitimados por naturalizarem a violência que é atribuída ao homem pelo uso de sua força resultando em relações violentas e conflituosas em tempos de isolamento social. As características negativas retratadas pela masculinidade hegemônica atrelam aos homens a seres dotados de ausência emocional, independência, agressivos, não cuidadosos e não passionais.
Para Santos et al. (2020), a masculinidade fica afirmada “como uma configuração de práticas em torno da posição dos homens na complexa estrutura das relações de gênero”, cujas, estão calcadas na racionalidade e no significado histórico, ainda que a prática da violência não seja vista desta maneira. De fato, a violência doméstica é um grave problema social e de saúde pública e foi agravada em virtude da pandemia da Covid-19.
Isso se deve porque uma pandemia de tamanha proporção, que paralisou o mundo, obrigando uma mudança drástica em cada vivência, agravou também desta maneira, a violência contra a mulher. Como incitação ao caos por assim dizer, a redução do acesso a serviços de apoio às vítimas (os setores de assistência social, saúde, segurança pública e justiça), que tem seu papel fundamental, pois restaram totalmente prejudicados nesses pontos. Ademais, conforme elucidam Vieira et al. (2020), não há como acolher os acontecimentos a fim de seguir com os procedimentos incitados em lei, como já visto. Ou seja, “os serviços de saúde e policiais são geralmente os primeiros pontos de contato das vítimas de violência doméstica com a rede de apoio”. Desta maneira, os autores identificam que a redução na oferta de serviços está acompanhada pelo decréscimo na procura, em decorrência da falta de disponibilidade dos serviços às vítimas em função do medo do contágio.
Não se pode ignorar, contudo, que as entidades independentes defendem que há uma subnotificação dos casos de violência doméstica no país, principalmente neste período de distanciamento social, seja pela dificuldade de se comunicar, acessar os canais de denúncia, seja pela distância física, seja pelo receio de expor o agressor, problema ainda comum na sociedade brasileira (AMAZÔNIA, 2020).
Também Ilha (2020) defende que há uma clara subnotificação de casos de violência doméstica contra a mulher, o que constituiu outra pandemia, pois, no entender do autor, os dados oficiais representam 20% do total de ocorrências, o que se agravou durante a quarentena, principalmente pelo fato das redes de apoio estar fechadas.
As restrições impostas pelo Poder Público, para enfrentamento da pandemia da Covid-19, torna a casa o principal refúgio. E, considerando que é nesse espaço que se instaura e perpetua a violência doméstica contra a mulher, as restrições momentâneas acabam por dificultar rotas de fuga de uma população mais vulnerável, obsta a busca de ajuda, além, claro, de fomentar oportunidades para o aumento das técnicas de controle pelo agressor.
É preciso reconhecer que as vítimas de violência doméstica geralmente tem medo de denunciar, sentem-se envergonhadas, constrangidas e, não raras vezes, tem uma visão distorcida do que está acontecendo. Diante do isolamento social, tendem a sofrer com a maior proximidade do agressor, o que, somado a fatores outros, como o próprio estresse do distanciamento social, torna ainda mais grave o problema da violência contra a mulher.
O Estado de São Paulo, por exemplo, apresenta um aumento de 41% no número de feminicídios entre os meses de março e abril de 2020, se comparados ao mesmo período do ano anterior. Contudo, houve uma queda nos registros de lesão corporal e ameaça, de 22% e 33%, o que não representa necessariamente a diminuição de tais delitos, mas pode refletir o menor índice de denúncias (AMAZÔNIA, 2020).
Não bastasse isso, há, segundo estudo divulgado pela Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo (2020) falta de transparência nas informações, o que gera, repita-se, subnotificação dos casos de feminicídio no país.
Destarte, e ainda segundo Ilha (2020), considerando apenas dados do Estado do Rio Grande do Sul, o número de mulheres mortas nos cinco primeiros meses de 2020, se comparados ao mesmo período do ano anterior, evidencia um claro aumento de 34,4%. E, se considerados fatores outros, complementa o autor, como tentativas de feminicídio, ameaças, lesões corporais, dentre outras, constata-se que os agressores “foram mais eficientes na arte de matar suas mulheres durante a quarentena”.
4.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM TEMPOS DE PANDEMIA
Em meio a esse cenário é que o Conselho Nacional de Justiça lançou, recentemente, uma campanha de ajuda às vítimas de violência doméstica contra a mulher. Trata-se, segundo o órgão, de um canal silencioso, “permitindo que essas mulheres se identifiquem nesses locais e, a partir daí, sejam ajudadas e tomadas as devidas soluções” (CNJ, 2020). Trata-se de um “X” vermelho na palma da mão, sinalizando que aquela mulher é vítima.
Apesar do cunho humanitário da medida é sabido que muitas vítimas temem denunciar seus agressores. Logo, embora busque disseminar um meio silencioso de denúncia, não se pode ignorar que muitas vítimas podem não conseguir ajuda, esta pode ser tardia e, ainda, há um grande número de mulheres que, em virtude do isolamento, não terá como clamar a terceiros que intervenham.
Fato é que a vítima de violência doméstica e familiar, que já enfrentava problemas para denunciar o agressor, viu a situação tornar-se ainda mais grave nos últimos meses. A falta de denúncia segue suas inúmeras motivações para seguir mantendo suas vítimas no silêncio do confinamento. Sejam elas questões econômicas, sociais e de classe, como também o medo, a insegurança e a descrença em não poder contar com os órgãos estatais responsáveis por tal enfrentamento, e os demais motivos apresentados no capítulo um e dois desse trabalho.
De fato, a internet tem sido o principal veículo de informação rápida, principalmente com a disponibilidade de acesso às redes sociais, tais como, instagram, facebook, twiter, tiktok, além das diversas outras. Conforme explanam Vieira et al. (2020), essas mesmas redes sociais têm sido importantes portais de notícias que veiculadas na mídia, fazem chegar ao conhecimento público que a violência doméstica ainda está longe de acabar, e que a pandemia pode sim, ter sido para muitas vítimas da violência doméstica, momento de mais agonia, ao acirrar os laços de convivência com seus agressores.
Ainda segundo Vieira et al. (2020), os relatórios de organizações internacionais apontam para o aumento da violência doméstica através de registros policiais em países como a China, Itália, França e Espanha após a determinação implementada de quarentena domiciliar obrigatória.
No Brasil, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), entre os dias 1º e 25 de março, mês da mulher, houve crescimento de 18% no número de denúncias registradas pelos serviços Disque 100 e Ligue 180. No país, o necessário isolamento social para o enfrentamento à pandemia escancara uma dura realidade: apesar de chefiarem 28,9 milhões de famílias, as mulheres brasileiras não estão seguras nem mesmo em suas casas (Vieira et al., 2020, p. 1).
Fica evidente que o sistema de monitoramento de registro dessas denúncias é falho, principalmente ao considerar os números apresentados pelo Delegado entrevistado neste estudo. Logo, tornam falhos os métodos de prevenção e combate, uma vez que não se tem atualizado os índices, faltam políticas públicas para estas ações, faltam órgãos de atendimentos com profissionais capacitados ao atendimento da demanda. Para confirmar tal afirmativa, Vieira et al. (2020, p. 01) afirmam que “embora tenha crescido de forma considerável o número de feminicídios, outras formas de violência não estão sendo denunciadas e o Estado não se mostra eficaz no enfrentamento da questão”.
Destarte, inexistem políticas públicas voltadas especificamente ao enfrentamento da violência contra a mulher, mormente o feminicídio, em tempos de pandemia do Covid-19. A violência doméstica e sua prática contra a mulher é um tema sério, por muitos longos anos oprimiu e ainda oprime as mulheres em razão do gênero, sendo mister ressaltar a importância de medidas diversas para o enfrentamento em tempos de pandemia do Covid-19, sob pena de restar a mulher, vítima de crimes praticados com violência, desprotegida no âmbito doméstico e familiar.
Buscou-se compreender, ao longo do presente estudo, os impactos do novo coronavírus nas relações domésticas e familiares, com ênfase na violência contra a mulher, quando se constatou que, embora sejam incipientes os estudos, há evidências de que o índice de crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher vem aumentando.
Independente de qual for a região do mundo, ainda encontramos mulheres que continuam sendo estigmatizadas e desqualificadas pelo gênero, restando seus desejos e aspirações anulados, pois a sociedade as deixam de lado sob a ótica de que devem realizar as vontades e desejos de seus esposos, pais e filhos.
Explicando, a cultura patriarcal incumbiu a mulher apenas ao papel de ser do lar, confinando-a nos limites dos padrões sistemático do patriarcado reconhecidamente identificado como sendo machista, sexista e capitalista, capaz de conservar-se mesmo diante das diversas mudanças sociais e reformas legislativas trazidas com o passar dos anos e séculos, adentrando no senso comum da normalidade.
Toda a opressão feminina consistiu durante muitos anos na justificativa de defesa à honra masculina, já que lhe fora outorgado o papel de macho dominador e provedor. Ao hierarquizar os gêneros, colocou-se imediatamente a mulher no polo da fragilidade e submissão, fazendo dela, vítima das mais cruéis violências cometidas contra si, por seus próprios companheiros.
A prática da violência doméstica manifesta-se de diversas formas, seja ela psicológica, financeira, verbal, física e, a mais grave de todas, a que causa a morte das vítimas. Qualquer uma dessas práticas viola direitos humanos resguardados constitucionalmente, tais como o direito à vida, a liberdade de expressão, ao direito de viver livre de qualquer forma de violência, entre outros.
Constatou-se que a violência doméstica é uma questão cultural, principalmente pelo papel assumido pela mulher ao longo de anos. Em meio a esse cenário, submissa ao homem, a mulher ficou relegada às atividades domésticas e, consequentemente, às práticas de todo tipo de violência, não recebendo do Poder Público a devida atenção. Apenas em 2006 é que o Brasil, por exemplo, editou uma norma específica, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), voltada à punição, prevenção e erradicação da violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.
Porém, em virtude das medidas adotadas para o enfrentamento do novo coronavírus, principalmente as de distanciamento social, o lar, refúgio do vírus que assola todo o mundo, mas que é um lugar inseguro para as vítimas, viu crescer principalmente o número de homicídios.
Um grave problema é, contudo, a subnotificação, seja porque muitas redes de apoio estão fechadas, seja porque a mulher ainda enfrenta problemas para denunciar o agressor. Logo, o fato de crimes como lesão corporal, por exemplo, não serem notificados, não significa que não ocorrem, o que agrava ainda mais o problema das vítimas.
Igualmente, o grande número de feminicídios, se comparado ao mesmo período do ano passado, demonstra uma triste realidade que é a morte de mulheres por seus companheiros, maridos, namorados, em um ambiente no qual deveriam sentir-se seguradas, protegidas.
Portanto, percebe-se que apesar dos diplomas legais, editados para proteger as mulheres, serem um grande avanço, a sociedade civil tem o dever de contribuir para o enfretamento da violência doméstica contra a mulher, principalmente agora em tempos de pandemia, que as vítimas tiveram acirrado seu convívio e confinamento com seus agressores/opressores. Pois, o confinamento distancia as vítimas do convívio social impossibilitando a denúncia dos fatos que padecem. Assim o controle sobre elas aumenta por parte de seus companheiros, maridos, irmãos e pais, em diversas esferas de suas vidas, fator que as aproximam ainda mais das agressões que muitas vezes chegam a níveis bem elevados, quando não à morte pela constância da prática da violência doméstica.
Dessa maneira, foi fácil concluir que nesta pandemia houve o aumento desenfreado da violência doméstica, principalmente pela inexistência da denúncia, referente à falta de oportunidade de a vítima tornar público seu caso. Ademais, ainda há omissão na denúncia por parte de vizinhos, conhecidos e familiares por não quererem se meter na briga do casal.
Assim, claramente percebe-se que o confinamento silencioso que as vítimas estão submetidas deve ser contestado, independente de qual seja, a começar pela denúncia que desencadeia o andamento dos processos e a retirada dela deste ambiente através das medidas protetivas de urgência.
Portanto, criar uma sociedade livre dessa violência cruel, é uma responsabilidade de cada cidadão em conjunto com o Estado para que possamos estabelecer e proporcionar aos vulneráveis à violência doméstica e intrafamiliar, um ambiente saudável, pois é possível quebrar os padrões de normalização e erradicar esta violência.
Destarte, é imprescindível que o Estado adote medidas para o combate da violência doméstica contra a mulher, fomentando meios para a implementação de denúncias e disponibilizando rede de apoio às vítimas em tempos de Pandemia da Covid-19.
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Bacharelanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VERDE, Rosina Veloso Cardoso Lima. O aumento do número de casos de violência doméstica e a consequência do feminicídio no Brasil durante a pandemia do covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2021, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57531/o-aumento-do-nmero-de-casos-de-violncia-domstica-e-a-consequncia-do-feminicdio-no-brasil-durante-a-pandemia-do-covid-19. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: Conteúdo Jurídico
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